2017-12-02

É assim a vida

Escrever aqui para quê? Para manter a sensação ilusória de que sou fixe. Ilusória porque ultimamente tenho tido a sensação de ser preconceituosa e, para mim, isso não é fixe.
Formar ideias sobre a vida das outras pessoas só com base na sua imagem, ou com base num conhecimento escasso do seu modo de vida, sem conhecer essas pessoas parece-me inútil. Enquadrar pessoas num padrão não é engenharia, onde a matemática fornece uma base para uma espécie de futurologia que depois resulta, se bem aplicada.
No dia 1 de Dezembro de 2017, um jornal diário tinha na capa o seguinte título: "Mulheres que não querem ser mães". Na capa, destacava-se ainda «7,3% das portuguesas em idade fértil não querem ter filhos», apresentando ainda uma declaração da socióloga que estudou o que é referido como tabu: «Anseio pelo dia em que as mulheres possam não ser mães sem terem de provar alguma coisa em troca». Palavras surpreendentemente incisivas, as da socióloga. Não comprei o jornal e não li o conteúdo da entrevista. O título em letras garrafais prendeu a minha atenção, porque parecia que me estava a acusar.
Nunca me ouvirão dizer «Não quero ter filhos.», muito embora me possa arrepender de usar uma palavra tão forte como nunca. A verdade é que a capa do jornal não dizia «10% dos homens portugueses em idade fértil não querem ter filhos».
Não faço a mais pequena ideia da percentagem de portugueses que quer ou não quer ter filhos. Aquilo que sei é que tenho 33 anos e não tenho filhos, mas não é por não querer. Será que 7,3% das portuguesas em idade fértil comprariam o jornal se dissesse «Mulheres sem filhos estão fartas de mulheres com filhos que não sabem falar de outra coisa»? Não, porque o que sentem as mulheres sem filhos não é relevante sociologicamente.
Será que a notícia falava da desconfiança com que são olhadas as mulheres sem filhos no seu trabalho pelas suas colegas? Ser mulher e não ter filhos requer uma segurança pessoal que justifique o facto e que garanta à sociedade que a inércia na reprodução que este grupo de mulheres representa não põe em causa a máxima «as crianças são o melhor do mundo». Porque o são.
Então, acho que há algum preconceito em relação a uma mulher sem filhos. Mas há, ainda, tanto preconceito, alguns capazes de gerar guerras. Este é mais um. E a sobrevivência da espécie não está em causa, penso eu.
Tudo isto para dizer que hoje fiz o presépio. E, apesar de não ter filhos, não deixo de dar valor ao que ele representa.